Liderança e a Falácia do Carisma (*)
(*) Artigo publicado no jornal Estado de Minas em 27/4/2022
Carisma não é tudo em liderança. Ter comando quer dizer conduzir um grupo de pessoas em direção a um mesmo objetivo, com motivação e entusiasmo, atingindo os resultados com excelência. Parece simples, mas quanto mais pessoas participam disso, maior é a complexidade.
Também temos a tendência de examinar tudo com os olhos da modernidade, confiando apenas nas mais contemporâneas ferramentas tecnológicas e novas tendências em liderança. Alguns princípios, porém, não mudam com o tempo, mas são simplesmente enriquecidos com recursos atuais.
Gosto muito do exemplo do famoso Dia D, quando houve a invasão dos exércitos Aliados na Normandia, em 6 de junho de 1944, iniciando a retomada dos territórios ocupados pelas tropas alemãs durante a Segunda Guerra Mundial. Foi uma operação minuciosamente planejada. Principalmente se imaginarmos o que significa movimentar um exército de mais de dois milhões de soldados, mais de 5.000 embarcações, cerca de 10.000 aeronaves de todos os tamanhos e tipos. Cada onda de desembarque minuciosamente desenhada: soldados, equipamentos, engenharia, tanques, etc.
Tomando como exemplo o desembarque na praia, chamada em código como Omaha (retratada no filme O Resgate do Soldado Ryan), absolutamente tudo deu errado: o mau tempo impediu o apoio aéreo, a resistência do inimigo foi muito mais feroz do que a esperada, as linhas de desembarque foram todas misturadas e confundidas, inclusive soldados perdendo-se de sua liderança e de seus pelotões. Os oficiais na praia tiveram de comandar grupos de soldados dos mais diversos batalhões, agrupados e misturados no desespero da sobrevivência.
Em meio a todo este caos, no final do dia, a praia estava tomada. A primeira versão cinematográfica que retratou este episódio aconteceu há 60 anos, com o sugestivo e acertado título de O Mais Longo dos Dias. Rodado em preto e branco, o longa ganhou duas estatuetas do Oscar - efeitos especiais e fotografia - e foi dirigido por Ken Annakin.
Gosto de comparar as más condições climáticas com os ambientes político-econômicos, que tanto afetam os negócios e estão sempre fora de nosso controle. A forte resistência no desembarque, a ação dos concorrentes, que dia a dia se inovam tanto quanto o nosso negócio. Quais foram os pontos sobre os quais se tinha algum controle e que levaram à vitória no Dia D?
Cada soldado sabia exatamente qual o seu objetivo (desde o “chão de fábrica” até o CEO devem ter a mesma visão do negócio). Os oficiais das praias, da frente de batalha, foram cruciais para a condução dos soldados (a gerência média precisa ser muito bem treinada e engajada). Os combatentes tinham forte patriotismo e um senso claro de propósito (os funcionários, tendo uma visão clara do negócio, do papel de cada um e das recompensas e reconhecimentos pelos objetivos a serem alcançados, fazem toda a diferença!).
Durante os anos em que lecionei em cursos de MBA, sempre fiz uma pesquisa em classe, com a simples pergunta: Quantos de vocês sabem os objetivos das companhias que vocês trabalham? Para minha surpresa, eram muito poucos por turma - e estou falando de alunos de cursos de pós-graduação -, que sabiam responder essa questão, mesmo trabalhando em todos os tipos de companhias.
Por mais ferramentas e princípios modernos que temos, o básico sempre volta à tona: processos de gestão que permitam o estabelecimento claro de objetivos, em todos os níveis da organização, comunicação intensa, feedback do trabalho e reconhecimento (muitas celebrações) dos bons resultados atingidos.
Apenas carisma não conduziram dois milhões de soldados à vitória em um dia e o mesmo acontece com as suas companhias, organizações ou times. Conheço líderes e gestores em empresas altamente carismáticos, e também outros que preferem baixa visibilidade, mas que levam seus times a grandes vitórias, plenamente engajados.
Se você é um gestor carismático, muito bom. É um “plus” no seu cargo. Porém, as perguntas que deve fazer a si mesmo, liderando a dois milhões de pessoas, cem mil, mil ou a cinquenta são: Meu time tem uma clara visão dos objetivos que precisamos alcançar? Cada um sabe exatamente o seu papel nestes objetivos? Tenho um processo de gestão que me permite estabelecer metas em todos os níveis, acompanhá-las, medi-las e recompensar os bons desempenhos? Você é transparente em sua comunicação e tem a total confiança de seu time?
Se a resposta for sim a todas as perguntas, você tem as competências permanentes de liderança, válidas e praticadas há séculos. O resto...é resto!