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Como os líderes executivos podem lidar com a globalização e o desafio das diversidades culturais

Publicado em CEO Worldwide

Cerca de vinte anos atrás, participei na Irlanda de um seminário de desenvolvimento para líderes globais de minha companhia. Um dos palestrantes convidados foi Fons Trompenaars (nascido Alfonsus Trompenaars), autor de um best-seller sobre a cultura nacional e seu impacto nos negócios.

Foi para mim o início de uma preciosa jornada para entender melhor os países estrangeiros.

Hoje, o paradoxo entre a crescente globalização e o apelo ao fortalecimento das culturas nacionais locais, parece mais presente do que nunca. É imperativo ver e entender o comportamento de executivos de outras nacionalidades com os seus próprios olhos, em vez de observá-los com os óculos de nossas próprias culturas e valores.

Além do idioma falado

Para entender uma cultura, é preciso ir muito além de apenas falar sua língua, embora muitas vezes isso seja possível, mesmo sem falar o idiom estrangeiro.

Incontáveis fatores formam o comportamento do negociador do outro lado da mesa, ou em um relacionamento do chamado “inter-company”. Podemos listar história, tradições, religião, valores, clima, pensamento e processos de tomada de decisão, formas de fazer negócios, antecedentes pessoais, antepassados e muito mais.

Este artigo descreve exemplos de impactos diretos nos negócios, dependendo da capacidade do líder de perceber as diferenças culturais. Essa percepção pode levar a um desastre ou a um sucesso total, dependendo de como é usada.

Culturas Complexas

Fui contratado para ser o CEO de uma subsidiária brasileira de uma empresa americana que precisava de uma mudança total de cultura. O desafio era passar de uma liderança centralizada para uma organização matricial, conectada com muitas unidades de negócios na sede internacional.

Um ano depois, a transição foi concluída e uma estrutura organizacional diferente foi implantada, gerando resultados satisfatórios.

Levei alguns anos para entender o que realmente aconteceu. Esta empresa havia sido adquirida de um grande conglomerado familiar brasileiro. Como em muitos países latino-americanos, árabes, ibéricos ou do Extremo Oriente, a figura patriarcal era forte, enraizada na cultura, e as estruturas das empresas eram muito hierarquizadas.

Trabalhar agora numa organização matricial era como ter “dois pais”. A empresa estava tendo bons resultados, mas ainda operava dentro de uma cultura diferente.

Isso me lembrou de quando a GE Healthcare comprou uma grande empresa francesa de equipamentos radiológicos que tinha uma base considerável de clientes na América Latina. Comecei a ter aulas particulares intensivas de francês para melhorar minha comunicação com esse novo fornecedor interempresarial.

Culturas misturadas

Seis meses após a aquisição, a sede francesa estava cheia de expatriados americanos e o jeito francês de fazer negócios havia desaparecido.

Qual cultura foi a melhor?

Ambas, dependendo de quem era o dono da empresa. Ambas as visões produziram bons resultados.

Lembro-me da ocasião em que fiz parte de uma equipe de cinco executivos latino-americanos que viajaram a Tóquio para negociar com uma grande instituição financeira japonesa. Do nosso lado, tínhamos os tomadores de decisão para fechar o negócio na hora. Do lado japonês, havia seis negociadores.

Ao final de dois dias de discussões, fizemos um último jantar e voltamos para casa deixando a situação em um impasse. Dois meses depois fomos convidados para uma nova reunião. Desta vez tivemos pausas mais longas para convívio e almoços e jantares comuns.

Lições de liderança

As negociações correram bem e aprendi duas lições importantes (entre outras): a primeira,  foi que o tomador de decisão final nas empresas japonesas geralmente não participa das rodadas de negociação. Muitas vezes, decisões importantes são tomadas após a reunião.

Em segundo lugar, o desenvolvimento da confiança vem em primeiro lugar, e o contrato é uma consequência. Nosso objetivo era o oposto: ir para a reunião com condições muito boas, conseguir o contrato, e o resto viria depois. A consequência, foi o referido impasse.

Outro episódio com desfecho peculiar foi um almoço de negócios entre eu, country manager, e meu chefe americano com o country manager de uma importante empresa francesa e seu chefe, que veio da França para conversas sobre uma possível parceria.

A relação entre nós dois, localmente, era muito boa, e esse foi o primeiro encontro entre nossos dois executivos globais.

Depois da longa sessão apenas das entradas, e de uma convivência amistosa com o visitante francês que bebia um bom vinho e conversava sobre nossas famílias, meu chefe já estava impaciente.

Olhando constantemente para o relógio, ele me perguntou várias vezes quando teríamos uma conversa de negócios.

Choques Culturais

No momento em que a sobremesa foi servida, o clima era tão negativo entre os dois que nenhum progresso foi alcançado na parceria.

Nas semanas seguintes, meu colega brasileiro e eu tivemos que nos esforçar muito para reconstruir o relacionamento entre as duas empresas e, meses depois, a parceria foi concretizada.

Mais uma vez, o choque entre as culturas de “negócios em primeiro lugar” e “construção de confiança em primeiro lugar”.  É claro que nem todos os executivos de um determinado país agem da mesma forma, mas esse foi um exemplo de quando as sensibilidades culturais são ignoradas.

O Oriente encontrando o Ocidente

Em outra viagem com um grupo de negociação de oito pessoas, desta vez para a China, com o objetivo de adquirir equipamentos pesados dos chineses, o encontro aconteceu na cidade de Hangzhou, localizada a cerca de duas horas de carro ao sul de Xangai.

As visitas à fábrica e a outras instalações foram sempre visivelmente curtas, mas os nossos anfitriões dedicaram muito tempo em passeios pela cidade, longos almoços e jantares, em excelentes restaurantes com refeições muito requintadas. Por coincidência, cinco anos antes dessa viagem eu havia lido um livro sobre a história da China no século XIX.

Os pais dessa geração de executivos chineses (geralmente muito jovens, quinze anos atrás) viveram a Revolução Cultural de Mao. Durante as longas refeições, a maior parte da minha conversa era sobre as lutas de seus pais e a enorme transformação na China sob Deng Xiaoping, dos anos 80 até os dias atuais.

Diálogos abertos

Para encurtar a história, fiquei muito surpreso com o excelente relacionamento que foi possível estabelecer com os executivos chineses, o qual abriu o caminho para as negociações, com diálogos muito abertos e resultados favoráveis.

Essa experiência me lembrou as palavras de um professor do meu MBA, que na época não dei a devida atenção:

“Se você lida com os espanhóis, leia Dom Quixote, se você tem negócios com os ingleses, certifique-se de conhecer Shakespeare, se você negociar com os italianos, leia o Inferno de Dante.”

Como nota final, depois que fui contratado pela empresa para liderar a mudança cultural, fiz um teste sobre meu perfil cultural de negócios, esperando ansiosamente que o resultado fosse genuinamente de um brasileiro.

Sopa de culturas

Para meu espanto, o resultado mostrou uma cultura empresarial totalmente anglo-saxônica. Não é à toa: nascido no Brasil, mas criado em uma família lituana, educado nos EUA e trabalhando toda a minha carreira em multinacionais americanas, era assim que eu via a forma de fazer negócios.

Um estrangeiro, no meu próprio país.

Novas culturas e comportamentos não são fáceis de entender e aprender. Por outro lado, muitas avenidas de aprendizado estarão disponíveis, se houver um desejo genuíno e sincero de seguir esse caminho e desenvolver a empatia.

Quando isso é feito com sucesso, os resultados nos negócios atingem uma dimensão totalmente diferente.

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