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Economias Globalizadas – Culturas Localizadas

A falta de sensibilidade para com outras culturas diferentes das nossas, pode vir a ser um grande empecilho nas negociações internacionais. O mesmo pode ocorrer até mesmo no relacionamento entre colegas de trabalho de uma mesma companhia, porém de diversas origens nacionais.

No dia 31 de janeiro de 2020, após anos de discussões e crises políticas, um plebiscito e votações do parlamento inglês, oficialmente ocorreu o Brexit, ou a saída do Reino Unido do Mercado Comum Europeu. Embora o grande foco foi o lado econômico, sempre existiu no bojo dos pleitos um caráter regional e isolacionista em relação a tantas outras culturas que acabaram formando o caldeirão de nacionalidades vivendo na Inglaterra. Este fato ocorreu na esteira de iniciativas com semelhante foco filosófico econômico, em diferentes matizes em suas ações, mas com o mesmo propósito, como foi a era Trump nos Estados Unidos e vários países do leste europeu. Este mesmo padrão vimos nos debates políticos e fatos concretos de fechamento de fronteiras em relação à onda de refugiados que assolou a Europa nos últimos anos.

Estes episódios pareceram romper o conceito de globalização e universalidade de propósitos que vínhamos testemunhando nas últimas décadas. Na realidade, embora a globalização derrubou fronteiras econômicas e alfandegárias, em sua essência, as culturas sempre foram fechadas e isto vem há muitas décadas e até séculos.

Gosto de citar estes reflexos na Segunda Guerra Mundial, quando testemunhamos a ação doa Aliados e das tropas do Eixo, da Alemanha, Itália e Japão. Em muitas campanhas vimos a presença de vários países lutando juntos, como foi a invasão da Normandia, no famosos Dia D, em 6 de junho de 1944, quando exércitos de oito nacionalidades fizeram parte da Operação Overlord, a maior mobilização militar de que se tem história. Entretanto, americanos e ingleses lutaram lado a lado em vários cenários na Europa e na África.

Embora com países da mesma língua e raízes de cultura, o convívio entre os dois lados e as decisões à frente das batalhas nem sempre foram fáceis. Como exemplo, a estratégia militar americana era de não medir sacrifícios para buscar a vitória, a fim de poupar vidas futuras. Já os ingleses, preocupavam-se em não sacrificar vidas, sempre que possível. O resultado final dos dois, não consigo avaliar ou definir sua eficiência, mas os dois exércitos andaram juntos, apesar das grandes diferenças. O mesmo ocorreu entre a rígida disciplina militar dos alemães e a informalidade e flexibilidade dos italianos, quando precisavam lutar juntos.

No presente e no passado o choque de culturas sempre esteve presente, tanto no relacionamento macro entre países, como nas transações internacionais do dia a dia das companhias multinacionais, chegando até as vendas no varejo pela internet nas diversas plataformas mundo afora. A “fachada” da globalização sempre trouxe a ilusão de que as fronteiras culturais estariam igualmente abertas.

Estes fatos começaram e abrir os meus olhos e interesse no assunto, ao tratar com as mais diversas nacionalidades e culturas em transações e negociações e também no relacionamento dentro de uma mesma companhia. Nunca esqueço uma viagem para entrevistas na sede de uma companhia interessada em contratar-me, quando fui entrevistado por um executivo estrangeiro residindo nos Estados Unidos. Pelo seu sotaque e sobrenome, achei que acertaria em cheio quando perguntei “você é espanhol, correto”? O sorriso desapareceu de seu rosto e com um olhar sério me respondeu...”sou catalão!”. Teria sido melhor manter a minha boca fechada e pensei que a entrevista havia fracassado, mas passamos por este obstáculo e discutimos vários assuntos amigavelmente. No final, fui contratado, mas toquei em sérias feridas culturais naquele encontro.

O grande mito é que falando outra língua passamos a entender outras culturas. É muito simples traduzirmos palavras, porém muito mais complexas são as “traduções” de processos mentais, valores e tradições. É muito comum criarmos conceitos de “certo” ou “errado”, baseados em nossa própria maneira de vermos o mundo. Podemos perfeitamente entender outras culturas sem falar uma palavra da língua de outro país. Afinal, na maioria dos casos não conseguimos aprender todas as línguas das nacionalidades com as quais fazemos negócios ou nos relacionamos.

Para fugir, neste momento, de uma abordagem puramente acadêmica ao tema, vou dar alguns exemplos de experiências pessoais com choques de cultura.

Participei de uma negociação em grupos em Tóquio, no Japão, onde nosso time levava o tomador de decisões finais e queria soluções rápidas. No time japonês o principal tomador de decisões nunca participava das reuniões e o grupo tinha longas discussões depois das negociações, para então voltar com a decisão, que nem sempre era a final. A falta de entendimento deste processo de negociações orientais trazia grandes frustrações ao nosso time.

Fui contratado por uma companhia americana para transformar a cultura de sua subsidiária brasileira. A missão era mudar o processo de comunicação com a matriz, de altamente centralizado em duas pessoas, para um relacionamento matricial com muitos canais se relacionando com os Estados Unidos.

Cumpri a missão com toda a convicção de que era o único caminho possível a ser seguido. Apenas mais tarde entendi que a companhia havia entrado no Brasil comprando uma divisão de uma empresa genuinamente brasileira, trazendo uma cultura patriarcal (como na maioria dos países latinos) altamente centralizadora, mas com ótimos resultados financeiros. Afinal, em uma cultura patriarcal é muito difícil aceitar dois “pais” de uma organização matricial aberta e descentralizada.

Ainda dentro deste tema podemos distinguir que nas culturas patriarcais (latinas e árabes, por exemplo) o principal critério na escolha de líderes é a confiança. Nas culturas anglo-saxônicas o principal critério é a competência. Ambos os lados rotulam a outra como “errada”, quando, no fundo, é uma diferença cultural e de valores.

Não posso deixar de citar a forma que primeiros encontros são malsucedidos quando as culturas se chocam. Inesquecível e indigesta para mim foi a experiência de acompanhar o meu chefe americano em um almoço com um cliente francês. A mentalidade impaciente do “business lunch” ou “business first” de meu chefe, chocou-se fortemente com a mentalidade de nosso cliente francês, de primeiro conhecer com profundidade o seu fornecedor, falar de assuntos supérfluos e de família, saborear a boa refeição e só no final entrar nos negócios específicos.

Ambos lados saíram frustrados do almoço. Depois dessa experiência, o meu par, que era o presidente local da companhia francesa e eu (ambos brasileiros), tivemos que “juntar os cacos” deste episódio e tentar manter saudável o relacionamento entre as duas empresas.

Os exemplos são incontáveis e nos trazem a consciência de que junto com a abertura das fronteiras econômicas da globalização, precisamos cruzar as fronteiras culturais. Prefiro esta expressão do que a conhecida de “romper barreiras culturais”, que leva a percepção de algo conquistado à força.

O cruzar fronteiras culturais, significa realmente entrar nessas culturas, entende-las e olhar para nós mesmos do lado de lá dessa fronteira, exatamente como eles nos vêm. Isto exige esforço, estudo, “troca de lentes” e vai muito além do que simplesmente falar outra língua. Aqueles que o conseguem, terão grandes vantagens nos negócios e nos relacionamentos.

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