A Fábula do Fusca Branco: Uma alegoria para quem está começando a carreira
João Carlos era um mecânico muito dedicado e seu hobby era restaurar carros antigos e deixá-los em estado de novos para colecionadores ou amantes de carros deste tipo. Desta vez escolheu um Fusca branco que estava em seu pátio e trabalhou no carro com afinco por vários meses deixando-o pronto, polido e exposto orgulhosamente em sua oficina, que ficava em uma rua movimentada de São Paulo.
Paulo Ricardo era um jovem que morava nas redondezas e passava sempre na porta da oficina de João Carlos no caminho do ponto de ônibus, que faria a conexão com o metrô. Era uma jornada diária de uma hora e meia, que o deixaria na porta de seu emprego, um escritório de contabilidade. Paulo trabalhava de dia e estudava à noite, ajudando seus pais a pagar os seus estudos.
Sua vida continuava sacrificada e mesmo em seu emprego após a formatura na faculdade de Contabilidade, ainda vivia com escassos recursos. Certo dia, parou na oficina de João Carlos e perguntou o que fazia lá aquele Fusca branco por tanto tempo. Este respondeu que não o vendia por ser um “tesouro” restaurado.
Paulo Ricardo sorriu, agradeceu e virou-se em direção à rua, quando ouviu João Carlos perguntar “Gostaria de compra-lo? ”. Confiava mais em seus instintos do que qualquer análise de crédito, depois de ver aquele jovem passar em frente de sua oficina, por vários anos, a caminho do trabalho. Queria que o Fusca tivesse algum significado para quem o comprasse. Ainda não acreditando o jovem deu meia volta, calculando rapidamente de cabeça o quanto poderia dispor por mês e fez uma oferta para João Carlos, que foi aceita. Ainda demorou algumas semanas para retirar o carro, pois precisava obter a sua habilitação para dirigir.
Apesar de seu carro chamar muita atenção em plena Avenida Paulista, andava com muito orgulho, com as janelas abertas pela falta do ar condicionado. Em alguns meses foi promovido, pelo seu esforço e pela sua capacidade de trabalhar muito bem em equipe. Após um ano conseguiu comprar um carro pequeno, seminovo.
Voltou à oficina de João Carlos e simplesmente devolveu o carro, pelas alegrias que trouxe em sua vida. O mecânico, feliz, pois o carro havia servido para um propósito nobre, o aceitou de volta, fez nova restauração e o colocou exposto no lugar de sempre
Beatriz era filha de um executivo, o qual a levava à faculdade, antes de seguir para o seu escritório, na Av. Faria Lima. Cursando Economia, estava em um estágio, no qual fora selecionada em um dos primeiros lugares, em uma multinacional no mercado de consumo. Sempre fora uma boa estudante e desde pequena nunca dera trabalho aos pais a esse respeito.
Com certo desconforto no início, aprendeu a se movimentar pela cidade de metrô, para poder chegar ao seu estágio. Neste momento de sua vida, disse ao pai que já era hora de ter um carro, assim como várias colegas de faculdade e de estágio. “Compre com o dinheiro que você ganha”, disse o pai, mas Beatriz sabia que seria impossível. No fim de um longo debate, o pai estipulou um valor que a filha poderia gastar em um carro, mas seria a única coisa com que jamais contribuiria para este fim.
Entusiasmada, Beatriz imediatamente pesquisou na internet o que poderia comprar com esse dinheiro...e...não achava nada...era muito pouco! Definitivamente o seu pai estava fazendo uma piada! No dia seguinte, com as palavras em seus ouvidos de que seria o único dinheiro que o pai daria, começou a perguntar aos colegas o que poderia fazer com aquele valor. Um de seus amigos, quase que com ar de deboche, falou que fora com a sua mãe em uma oficina retirar o carro dela do conserto e vira ali um Fusca à venda.
Foi assim que Beatriz chegou na oficina de João Carlos e surpreendentemente podia compra-lo com aquele valor. O mecânico achou que ele não estaria ajudando ninguém, nem mesmo um colecionador, mas Beatriz foi tão insistente que acabou concordando.
Seu carro destoava tanto, que todos os seus colegas de faculdade e de estágio sabiam quando ela estava por lá, pois era muito fácil identificar o Fusca. Formou-se na faculdade e além disso ganhou uma vaga definitiva na companhia em que terminara o estágio. A frustração com o carro continuava e o salário deste primeiro emprego estava muito fora de suas expectativas.
Além disso, quando mudou de departamento com a nova vaga, sentiu um ambiente muito competitivo entre os seus pares. Todos faziam o melhor para ficar bem com o chefe, sendo que ela, Beatriz, sentiu que seu gestor tinha algo contra ela, pela forma dura que a tratava. “Com certeza é por causa de meu Fusca”, pensava. Sentia-se tão deslocada, que várias quase pediu ao pai que conseguisse uma vaga na companhia em que trabalhava.
Após um ano, quando estava prestes a desistir, seu chefe a chamou para uma conversa. “Pronto! Serei despedida! ”, pensou. Para sua surpresa, quase que não acreditando, o chefe estava dando a ela uma promoção, pelo seu esforço e bom desempenho em tão pouco tempo. Reconhecendo o potencial de Beatriz, o chefe fora muito exigente em suas demandas, para que ela crescesse rapidamente.
Após poucos meses, voltou à oficina de João Carlos e ofereceu a venda do Fusca pela metade do preço que comprara, pois aprendera grandes lições com aquele carro. João Carlos aceitou a oferta, voltou a reformar o Fusca, só que desta vez, com instalações maiores e modernizadas, colocou o Fusca do lado de fora, exposto como um símbolo daquilo que um mecânico pode fazer.
Fernando formara-se em engenharia em uma das mais conceituadas instituições de ensino e morava com sua família em uma nobre área dos Jardins, em São Paulo. Queria seguir os passos de sua mãe, que herdara uma grande empresa do pai no setor d construção civil, quando este faleceu. A família de Fernando trabalhava na companhia, incluindo seus pais e sua irmã mais velha.
Sempre fora um estudante razoável, talvez não com as melhores notas, mas atingindo resultados suficientes dentro da média de suas classes. Antes da formatura, o seu estágio foi na empresa da família, porém ao formar-se sentiu o desejo de ter outras experiências. "Estou cansado de sempre ser visto como o filho da dona", dizia ele para a sua mãe. Esta, falou com um amigo do setor e Fernando finalmente conseguiu a oportunidade de trabalhar fora do ambiente da família.
Desde a sua adolescência era tímido e tinha uma personalidade mais isolada. Teve um grande choque ao trabalhar em uma equipe de "iguais" e sentia certa discriminação por ser o único funcionário que era deixado na porta do escritório por um carro com motorista. Bastaram poucas semanas para o amigo de sua mãe dizer polidamente ao telefone "O Fernando não está feliz aqui. Acho que ele se daria melhor voltando a trabalhar com você".
Naquele dia, voltando para casa absorta nos pensamentos de preocupação com o filho, não notou que seu motorista desviou- se do caminho de costume em razão do trânsito. Ao levantar os olhos, distraída, viu algo que a atingiu como um raio e pediu imediatamente para parar o carro.
De pé na calçada, contemplava com saudades um Fusca branco que lembrava muito o início sacrificado de seu pai. Estava estacionado na porta de uma oficina, e, em um impulso, disse ao dono que queria comprar o carro.
João Carlos hesitou, pois queria novamente ajudar alguém com o Fusca, mas o valor oferecido foi tão fora de proporção, que não resistiu.
Ao chegar em casa naquele dia, Fernando viu sua mãe esperando, ansiosa, no portão da rua, ao lado do que pensou ser uma peça de museu. "Olha só!", exclamou sua mãe, "foi assim que seu avô começou e você terá mesmo privilégio!".
Os dias seguintes foram um suplício para Fernando. Estacionava longe de casa para os vizinhos não o ver, o mesmo acontecendo quando ia ao escritório, parando em um estacionamento fora do prédio. Nos finais de semana, ao sair com os poucos amigos que tinha, deixava o Fusca na rua e chamava um Uber para chegar ao seu destino.
Após um mês, tirou a chapa do carro, doou o Fusca para um "desmanche" e ao chegar em casa disse: "Mãe, roubaram o meu carro...só pode ter sido um colecionador...".
Três histórias sem um final, que será escrito por cada um dos personagens, que também é imprevisível, pois cada um amadurecerá de forma diferente. O começo, entretanto, traz oportunidades semelhantes a todos.
Assim como um avião, que precisa de muita potência na descolagem para vencer a gravidade, assim também você enfrentará grandes desafios. Podem vir em forma de insegurança, medo de falhar e na impressão de estar ficando atrás de seus colegas na intensa concorrência em fazer o melhor. O próprio ambiente traz questionamentos: "O que meu chefe está pensando de mim?", ou, "Porque o Paulo tem sempre má vontade quando trabalhamos juntos?", "Será que serei promovido?".
Você levará também o peso das expectativas da família (às vezes sem palavras), do ponto de vista financeiro (se voc ajuda ou é ajudado), da ansiedade pelo seu sucesso, da comparação com irmãos ou parentes, de conviver com os conflitos próprios de sua idade. No fim de tudo, a pior cobrança... aquela que virá de você mesmo.
Haverá sempre o sentimento de que em todos os momentos e locais, a sua capacidade estará sendo testada.
Não há uma fórmula mágica para tudo isto. Mas o importante é saber que você não está só... todos passamos por isso, e incrivelmente... Conseguimos! Trate de confiar muito em si mesmo, tenha uma dose reforçada de paciência, se arme com a persistência que talvez nunca precisou antes e "bola prá frente", aconteça o que acontecer!
Acredite... depois da decolagem, virão grandes voos profissionais!