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"Os Miseráveis" - O Senador e o Bispo

Este episódio, ocorrido por volta de 1815, é contado na grande obra "Os Miseráveis"*, um dos mais famosos clássicos da literatura mundial, magistralmente escrito por Victor Hugo.

O personagem, Bispo Bienvenu, é o mais puro exemplo de caridade, despojo, tem uma vida simples e sem luxos. Dedica-se a visitar as suas paróquias e ajudar aos pobres e necessitados, No entanto, recebe dignitários para jantar, curiosos em conhecerem uma pessoa tão carismática.

Dessa fez foi um Senador. Na sessão do capítulo chamada Conversas de Sobremesa, o Senador faz uma longa preleção sobre o seu caráter materialista e imediatista. Deixa clara a inexistência de qualquer crença espiritual. O Importante é aproveitar o hoje.

O diálogo continua, com o Senador tendo a palavra:

" Qual a minha missão nesta terra? É minha a escolha: ou sofrer ou gozar (...) minha escolha está feita. É preciso ou comer ou ser comido. Prefiro comer. É melhor ser dente que erva. Essa é a minha sabedoria. Depois é como eu digo, lá está o coveiro, o nosso panteão, e tudo some numa cova enorme. Fim.

(...) não me deixo enganar por bobagens. Mas, afinal, sempre é preciso alguma coisa para iludir os ignorantes, os descalços, os mal pagos, os miseráveis. Fazem-nos, então, engolir essas lendas, essas quimeras, a alma, a imortalidade, o paraíso, as estrelas. E eles mastigam isso, besuntam com essa manteiga seu pão seco.

O Bispo bateu palmas.

-Eis o que é falar! - exclamou. - Que coisa excelente e maravilhosa esse materialismo! Não há quem não veja. Quando se é materialista, não se pode ser logrado, (...) quem conseguiu encontrar tão admirável doutrina tem a alegria de se sentir irresponsável, de pensar que pode devorar tudo sem se preocupar, cargos, sinecuras, dignidades, o poder bem ou mal adquirido, as palinódias proveitosas, as traições úteis, as gostosas capitulações da consciência e, por fim, entrar no sepulcro com a digestão feita. Como é bom! (...) Gente como o senhor, ouvi-o de sua própria boca, tem filosofia própria, pessoal, rara, refinada, só acessível aos ricos, boa para todos os gostos, admirável condimento para todos os prazeres da vida."

Mais adiante o Bispo Bienvenu lamenta: “Ter êxito, eis o ensinamento destilado gota a gota, pela corrupção que avança”

*“Os Miseráveis”, de Victor Hugo, Editora Penguin Companhia, págs  73-75,101

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