Os blocos que causam tropeços ao novo CEO
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Uma promoção para a liderança de um negócio pode trazer alguns comportamentos não condizentes com o estilo normal do líder, mas que o novo cartão de visita o torna mais arrojado. Seguem algumas características que tenho observado ao longo dos anos e por experiências pelas quais passei:
Maior Propensão a Riscos
Pode ocorrer um aumento da autoconfiança para tomar decisões com maior grau de risco, no afã de produzir melhores resultados. Pode ser uma armadilha. Os mesmos cuidados e análises feitos no decorrer da carreira, às vezes, são abandonados.
Isso é parte da natureza humana. Quando há um aumento de autoridade ou poder pessoal, há um ímpeto maior em se fazer sentir essa autoridade e de se dar vazão a impulsos antes controlados.
Não se pode confundir um maior poder de decisão com o aumento da capacidade de decidir. Um não está necessariamente ligado ao outro. Na minha primeira experiência como CEO, uma promoção interna, comecei a tomar decisões sobre muitos assuntos que antes achava estritamente necessárias. Várias delas foram acertadas, porém, em outros casos, tive que reconhecer que a maneira anterior era a mais correta. Voltei a calibrar as minhas análises de riscos.
Passei a ser bem mais cauteloso nas minhas experiências seguintes como CEO.
Ignorar a Cultura da Companhia
Para um CEO vindo de fora, é crucial entender a cultura da nova companhia. Trazer práticas muito bem-sucedidas da companhia anterior não garante sucesso na nova. A cultura é algo muito forte, muitas vezes intangível.
Já vi executivos muito experientes serem simplesmente expelidos pela cultura dominante, por melhores práticas que tenham trazido consigo. Lembro-me de um comentário de um chefe, que era subordinado ao recém-contratado CEO de uma companhia global, com uma cultura muito tradicional e arraigada e que estava trazendo grandes transformações.
Quando perguntei a ele o que realmente estava acontecendo, ele me respondeu, com certo sadismo: “Estamos dando a corda para que ele mesmo se enforque”. E foi exatamente o que aconteceu.
Gosto de livros de acadêmicos e especialistas, mas principalmente dos que realizam. A combinação dos três é realmente fantástica. Em conjunto com J.P. Barney e Carlos Julio, Manoel Amorim foi o coautor de um livro lançado este ano nos EUA: “The Secrets of Culture Change”. Amorim foi CEO de companhias de bilhões de dólares em seis países e traz uma riquíssima bagagem prática sobre o assunto. Recomendo fortemente a sua leitura.
Obsessão por Superar o Antecessor
Transformar em obsessão ter resultados superiores ao antecessor é outra grande pedra de tropeço. Cada líder tem sua tarefa a ser realizada e aí que deve estar o foco. Se forem encontrados desafios importantes, a preocupação deve estar em consertar os problemas e não em criticar os seus causadores.
As famosas expressões do “antes era assim” e “agora é assim” são muito frequentemente encontradas em comentários de muitos CEOs. Infelizmente, muitos fazem disso a missão de suas vidas.
Um desafio pessoal que tive foi o de substituir um CEO que fazia exatamente isso, quanto às suas práticas comparando-as com as do seu antecessor. Fui contratado externamente, justamente para liderar as mudanças dessas práticas. As comparações do high management e mesmo dos funcionários eram inevitáveis. Mantive minha rota firme em direção aos meus objetivos e em cerca de dois anos recebemos prêmios globais de qualidade, sem que eu tenha feito a mínima crítica ao meu antecessor.
É importante resistir às tentativas de “massagear o seu ego” e tomar a decisão de abandonar o passado e cumprir sua missão. Aliás, com poucas exceções, mantenho bons relacionamentos com as pessoas que me antecederam em cargos de liderança.
Excesso de Confiança
Recentemente, um CEO de um dos quatro maiores bancos brasileiros assumiu o comando de uma das maiores companhias de varejo da América Latina e levou junto seu vice-presidente financeiro. Após uma semana no cargo, o novo CEO veio a público, trazendo descobertas graves de manipulação de informação do balanço, ao mesmo tempo que anunciava seu desligamento da companhia.
A rede tinha altos valores em dívidas com bancos, o que levou a uma corrida dos credores em busca de fundos. O caso estende-se até hoje nos tribunais, pois a companhia está em pedido de recuperação judicial. Esse fato feriu profundamente a imagem da marca de décadas, além de atingir a reputação de seus acionistas, que são donos de outras marcas globais de grande vulto e destaque.
Nem sempre é possível levar junto um financeiro quando o CEO assume uma posição. A maioria das estruturas são bastante engessadas, e o time é aquele que está lá para se trabalhar. No entanto, todas as salvaguardas possíveis devem ser tomadas, para garantir que fatos do passado não venham a atingir o CEO no futuro.
Por mais que uma contratação seja extremamente amigável e nesse momento procure-se manter os relacionamentos no melhor nível possível com quem contrata o CEO, isto é um negócio. Cada país tem suas legislações que permitem exigir esse tipo de procedimento e salvaguarda, seja por uma auditoria, por uma declaração dos acionistas, ou qualquer outro meio.
O importante é não deixar que o brilho no momento da contratação ofusque os olhos do novo CEO, com riscos que poderão comprometê-lo profundamente no futuro.
Invasão do Tempo Pessoal
Esse é um fato muito controverso em nossos dias e de difícil consenso. Em muitos casos, há uma grande necessidade de esforço por um momento de turnaround ou de geração rápida de resultados. Ao mesmo tempo, as novas gerações assistem ao meteórico sucesso de Elon Musk, onde varar noites trabalhando, com um espírito empreendedor incansável, levou-o aos picos da fama.
Um tema muito pessoal, pois depende das prioridades que cada indivíduo dá à sua vida. O histórico mostra que, para o bem-estar de uma pessoa, é importante o equilíbrio em todas as áreas de sua vida.
Os possíveis danos ocasionados na vida pessoal dos executivos, quando sua agenda pessoal é devastada com compromissos profissionais, são, na maioria das vezes, reconhecidos mais tarde, com relacionamentos interrompidos, problemas de saúde e muitos outros.
Não estou em posição de dar conselhos a ninguém, pois já enfrentei meus desafios nesse tema, porém vale uma palavra de alerta nesse sentido, quando se assume uma posição de CEO: não deixar que sua vida pessoal seja afetada.
Para mim, é muito emblemática a frase de Bill Gates: "Seja no escritório, em casa ou em trânsito, sempre tenho uma pilha de livros que estou ansioso para ler."